sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Música: If Lucy Fell & Jemima Stehli



Portugal está a crescer (ou já está crescido?). Foi a primeira conclusão que ao fim de alguns minutos, consegui retirar da performance If Lucy Fell & Jemima Stehli. Por um lado, pela consistência que a banda If Lucy Fell já nos tem vindo a habituar, por outro, pela presença da artista Jemima Stehli, isto é, não pela presença desta por si só, mas pela presença de Stehli naquele ambiente em particular; seria de esperar vê-la em 'exposição' num vitrina qualquer outra onde várias pessoas de forte intelectualidade poderiam ir assistir à dita provocação por fazer parte de um ritual qualquer como é costume nas altas paradas da arte, mas não, Jemima Stehli veio apresentar-se e testar mais uma vez todo o conceito pelo qual é conhecida, juntamente do trabalho do grupo português do meio 'underground' e para os 'miudos' .

É com bastante gosto que revisito o concerto proporcionado, mas mesmo assim (há sempre um mas, afinal de contas é aí que está o desafio) há algo a apontar. Por partes: pela parte dos If Lucy Fell um ou outro pormenor técnico que ficara aquém do que era esperado, e na realidade, a expectativa era alta dado a presença invulgar da artista britânica; a voz com um volume demasiado baixo deixando pouco para quem a queria ouvir, e o mesmo se passava para a parte mais electrónica, que tirando dois momentos de maior destaque mal se notou a presença do mesmo. Com alguma pena minha a voz de Makoto não fluía pela sala meio cheia, mas isso não fora razão para os três restantes membros não assegurarem um concerto que prometia mais do que aquilo que acabou por oferecer até perto da uma da manhã, e quase uma hora de espectáculo. E antes de passarmos para as coisas boas, o facto de o concerto ter sido uma espécie de fast-food musical não ajudou a um outro factor, no paralelismo presente entre público e banda, o som era recebido por entre espasmos conjuntos no tempo e contra tempo do que se ia produzindo, um publico que não mostrou entusiasmo em demasia mas que se mexeu o suficiente para se poder marcar algum feedback corporal, a banda por esse ou por outra razão também não se esforçou mais em trabalhar essa relação e concentrando-se cada um no seu papel, estiveram para aquilo que era suposto estarem ali a fazer: música.

De uma forma geral, repito, o concerto, o som, fora consistente e teve a energia que era esperada, talvez tenham pecado os If Lucy Fell por terem faltado no extra mile. A explosão controlada por uma bateria incansável e os pujantes acordes de baixo que numa mistura de texturas contrastavam com a ambiência noise que fora conseguida com alguma excelência, e como já é costume os loops da guitarra como suporte para uma construção agressiva que oscilava entre uma constante e bem forte presença de baixo e bateria a culminar com a quase (quase, note-se) reminiscência de Masonna com o vocalista de If Lucy Fell a puxar dos efeitos do micro e com algumas pancadas neste, como acréscimo à viagem de ruidos e tons que todo o conjunto de pedais, loopstations e efeitos oferecem.

Jemima Stehli, a artista conhecida por desafiar o espectador da sua 'obra' a repensar da relação sujeito-objecto, obrigando ao despir-se, aquele que a observa a questionar quanto mais não seja, a razão pela qual está tal pessoa, nua. O objectivo de Stehli, não é criticar, mas tentar fazer com que quem a vê, critique, tendo três temáticas especificas em mente, narcisismo, desejo e sexualidade.
No concerto de dia 27 no ZDB com If Lucy Fell a reacção do público talvez tenha sido a menos esperada, isto é, de repente, a pessoa responsável por filmar o concerto, tira a roupa e fica tal e qual como veio ao mundo, como se de repente estivesse-mos a viver a revolução sexual americana, não pelo facto de Stehli se encontrar nua, mas sim pela naturalidade como tal acção fora recebida. Ou seja, o trabalho de Jemima Stehli, fora isso mesmo, o registo de vídeo que pouco se pode dizer acerca, uma captação intimista, do close up pessoal durante praticamente todo o concerto, dado ênfase durante vários momentos a cada elemento do grupo numa aproximação física quanto possível. A ironia encontra-se na provocação de Stehli, que ao querer determinar o inicio do (complicado) processo sujeito-objecto, acaba por encontrar um público que tirando uma inicial atenção brutalmente redobrada nos primeiros instantes à nudez exposta, todo o restante concerto teve como actor principal os If Lucy Fell, a novidade da nudez que deixa de ser novidade, por um lado essa condição é esperada, o não natural seria que alguém ficasse todo o concerto a olhar para o corpo da artista, mas neste caso, a idealização, o fetiche fora posto de lado e a musica assumiu o papel condutor da noite.
A dinâmica de fetiche/desejo fora desconstruída passando para a naturalidade do corpo nu, de repente Stehli que ao querer controlar o ambiente e a direcção da atenção do sujeito para com o objecto, destrói a dialéctica entre o desejo masculino e o próprio controlo da mulher por esse mesmo desejo, a musica neste caso como responsável por esse quebrar do ritual. Quando a artista feminina, tenta controlar a relação, produzindo deliberadamente, propositadamente o objecto do fetiche, o terceiro elemento retira-lhe completamente o controlo, o fetiche é esquecido e a sexualidade passa a ser parte consciente. Pela vertente mais narcisista, surge a pergunta: querendo questionar o inicio e propósito da imagem, não passará a artista responsável, pela nudez, a ser sujeito e não objecto nesse mesmo campo?

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